
O povão está em festa. São 98 anos de um amor incondicional pelo tricolor do Arruda (Diego Nigro/Folha PE)
Há exatos 98 anos, no mesmo dia 3 de fevereiro que o calendário mostra hoje, em frente à Igreja da Santa Cruz, no bairro da Boa Vista,um grupo de iluminados jovens uniram-se para criar o Santa Cruz. E o resto da história todos conhecem… O clube agigantou-se, acumulou vitórias, viu ídolos nascerem e encerrarem a carreira vestindo o uniforme vermelho, preto e branco. Ou, como preferem os mais antigos, encarnado, preto e branco!
Venceu adversários valentes, subjugou outros tantos, conquistou títulos estaduais, regionais, nacionais, internacionais. Ganhou apelidos grandiloquentes . Qual torcedor, por exemplo, não sente uma pontada de orgulho ao se referir ao tricolor como o Mais Querido ou Terror do Nordeste?
O respeito que angariou ao longo de sua gloriosa tradição, nem os sucessivos fracassos dos últimos anos conseguiram apagar. O nome Santa Cruz ainda é muito forte. Estimado. A cobra coral ainda tem veneno. É temida pelos adversários… E, certamente, ainda o será pelos próximos 98, 198, 298 anos.
Mais importante do que tudo isso, porém, é constatar que, nestes 98 anos, o Santa Cruz conseguiu criar um tipo diferente de pessoa: o tricolor. Tricolor pernambucano. Santacruzense coral das bandas do Arruda, como cunhou brilhantemente o escritor e jornalista Samarone Lima. Igual ao tricolor pernambucano não existe outro torcedor no Brasil. Nem no mundo. Eles reconhecem-se nas ruas, saudam-se com um simples “Fala, tricolor”.
E isso já faz nascer imediatamente um sentimento mútuo de respeito, de amizade. Conversam sobre o clube com o carinho de quem confidencia sobre um filho. Podem até falar mal do time, xingar, vaiar nos estádios, mas não admite – nem sob pena de morte na forca- que os adversários desrespeitem a camisa e a tradição do Santa. Ou Santinha, para os mais íntimos. Eles brigam, esgoelam-se, discutem. Não aceitam uma só palavra que macule a inegável grandeza do time.
Envergam o manto coral com orgulho eterno. Nas vitórias ou nas derrotas. Sofrem como uns malucos. E celebram como mais malucos ainda. E, pode desistir, rubro-negro ou alvirrubro, só um tricolor entende outro tricolor. Apenas um tricolor conhece o que é o Santa Cruz. Só eles, no fundo, sabem o que é ser Santa Cruz.
E ser Santa Cruz, regozijam-se os tricolores, é bom demais. Quem não conhece, arregala os olhos, esfrega-os para conferir se não está lendo a notícia errada. Como pode? Uma equipe na Série D colocar mais de 60 mil pessoas no estádio? Um time em crise conseguir levar tamanha multidão de apaixonados – e abnegados- ao mundão do Arruda… e fazê-los gritar, aplaudir, suar, sangrar, vibrar, torcer como se daquilos dependesse suas vidas.
E, na verdade, depende mesmo. O tricolor precisa do Santa Cruz para viver. Quando o time entra em férias, ou é eliminado precocemente de alguma competição, o torcedor esmorece. É fácil reconhecê-lo. Anda pelas ruas cabisbaixo, a mão enfiada nos bolsos, um boné enterrado na cabeça, como quem não tem objetivo… Nada mais parece lhe dar tanto prazer.
A conversa com os amigos perde parte da graça. A cerveja amarga. Os finais de semana são vazios. O trabalho parece sufocante. Para o tricolor, mais do que um time, o Santa Cruz é a vida.
E se, certa vez, o genial Nelson Rodrigues, em um delírio romanesco, disse que chegaria o dia em que o Flamengo venceria os adversários sem precisar de jogadores. Que apenas a camisa, vestida pela tradição do time, derrotaria os oponentes, garanto que haverá uma ocasião em que o Santa Cruz sequer enviará os uniforme para derrubar os inimigos.
Pode apostar, tricolor, que há de chegar o jogo em que o Santa nem necessitará dos padrões. Bastará a torcida na arquibancada gritando, torcendo, tremulando bandeiras – e os rivais cairão um a um no Arruda. E se poderá dizer que uma torcida prescindiu de um time ou de um uniforme.
Que uma torcida – a mais fiel do mundo- ganhou um campeonato sozinha. E , depois deste título, as canções acompanharão o ritmo dos batimentos cardíacos. E tocarão, em uníssono, o maior tri-tri-tri-tricolor de que se tem notícia… capaz de eriçar os pelos da nuca – e acelerar o coração- de qualquer tricolor, em qualquer parte do globo.
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